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  • Foto do escritorMatheus Iury Correia

A espada falante

Em um mundo de fantasia, uma lendária espada procura satisfazer seus propósitos e acompanhar uma nova aventura.




Em um deserto isolado, Kirzar encontra as tumbas de heróis dos tempos antigos. No meio de sua busca, ele descobre uma espada falante que conta a sua história e a sua revolta pelo seu passado traumatizante. Percebendo que a espada pode ser o caminho para alcançar o seu objetivo, ambos fecham um acordo em que a espada será reforjada.


A Busca

A voz vinha de longe, como se estivesse me procurando sem saber onde eu estava. A tranquilidade e a calma em suas palavras traziam uma quietude, embebida no mar revolto de um desespero sutil, marcando a urgência pela minha resposta.

Olhei aos lados e vi as tumbas dos guerreiros que jaziam há muito nesse lugar sagrado. Um santuário abrigando os mais honrosos responsáveis pela paz dos tempos livres que tínhamos no passado. Mas nenhum deles falava comigo.

Eu estava em um lugar inóspito e hostil, escondido dos olhares dos vivos e do conhecimento dos mortos. Depois da morte deles, ninguém nunca soube que eles existiram. E agora, como poderiam falar comigo?

As palavras cruzavam o vento e chegavam indecifráveis nos meus ouvidos, que se esforçavam e se agarravam a qualquer semelhança com o que eu conhecia ou falava.

Os sussurros então se tornaram mais nítidos e eu pude seguir em direção a sua fonte. Um túmulo como todo outro, com a pintura de um grande herói que teve um papel importante na história. E sobre o topo do túmulo, um cabo de uma espada.

Havia dois nomes sendo homenageados: um para Turian, o elfo capaz de matar um dragão. O segundo era para Glather, a espada que cortou o dragão.

Ora, se há um nome para uma espada, ela se destacaria pela própria atribuição desse. Não são todas as espadas que possuem nomes.

“Quem me chamou foi Turian, ou foi Glather?” perguntei resoluto.

O silêncio fez minhas palavras parecerem estúpidas.

Olhei aos lados e acima, mas nada se apresentava.

Até que uma risada de sarcasmo e rancor logo me respondeu:

“Se Turian pudesse falar, mesmo depois de morto, certamente você se lamentaria junto dele” — dizia a voz ríspida, metálica e afiada como um dia deveria ter sido.

Toquei com dois dedos o vidro que separava o cabo da espada do vento que soprava sobre os vivos.

“E como você conseguiu me chamar?”

“Vi você dando bobeira, procurando respostas em meio aos mortos. Resolvi ter um pouco de pena e decidi te dar uma atenção”.

“Ainda assim, não sei como você consegue falar”.

“É apenas uma das muitas habilidades que eu já tive, quando espada. Tive força e brilho, velocidade e precisão. Agora apenas falo, mas não sou ”.

“Mas o falar é que me intriga. Diga-me, você sabe quem foi o primeiro rei dos anões?”

“Era ele quem você estava procurando esse tempo todo? Hah! Deve ser por isso que eu senti tanta pena de você. Arikhar não está enterrado aqui. Ele foi jogado no vulcão de Fellwin, pelo próprio irmão”.

Ninguém nunca havia dito algo parecido.

Nenhuma informação dessas nos livros de história, nas minhas investigações, nos artefatos que encontrei, nenhum cidadão ainda estava vivo que conheceu Arikhar, nem o seu irmão, Gigges. Mas a resposta da espada se apresentava com tanta certeza e simplicidade, que parecia ser muito direta a ser verdade.

Pensei por alguns instantes e processei essa nova possibilidade: "E se essa voz era da própria Glather, ela poderia ser uma fonte confiável? Pois o que eu esperava era encontrar o túmulo de Arikhar aqui, junto de todos os outros heróis dos tempos antigos. Como os guardiões não o trouxeram para cá?"

“Se você não sabe o que tem aqui, por que veio?” — indagou com certa curiosidade.

“Porque todas as pessoas que sabiam o que havia aqui estão mortas”.

Era uma estatística nada promissória de se colocar voluntariamente a fazer parte, mas valia a recompensa.

“Quando foi a última vez que você falou com alguém?” — contive as perguntas mais egoístas e quis conhecer melhor o cabo da espada. Queria medir suas palavras e obter mais informações sinceras.

“Antes de você, poucas pessoas conseguiram me ouvir. Consegui dar adeus ao Turian. E depois dele, um elfo veio me ver. Não parei para contar os segundos de lá até agora, mas eu pensei que o mundo tinha acabado e ninguém nunca mais iria aparecer, pelo tempo que você demorou”.

O vazio da sua voz preenchia o espaço abandonado do Mausoléu Intangível. Um toque de tristeza e estava pronto: o discurso da solidão. Para Glarther, o mundo já tinha acabado.

Foi então que eu me dei conta, essa era uma oportunidade única:

“Glarther, eu preciso da sua ajuda. Preciso que você me conte tudo o que sabe sobre a guerra que Arikhar lutou. Com certeza, você deve saber o que aconteceu”.

A súplica se saiu mais desesperada do que eu tinha planejado. Mas eu contava com solidão da espada para pender ao meu favor. Ela jamais recusaria ficar sozinha por tanto tempo, novamente.

“Jamais”.

E foi apenas isso.

“O q-... como assim?” — perguntei perplexo.

“Vocês são todos iguais. Todos vocês, são mesmo, iguais. Sempre nos veem como ferramentas, subjugadas aos seus propósitos e suas decisões. Nunca me perguntaram se eu gostaria de matar um dragão, ou se eu queria ter matado meu antigo mestre. A mim, sempre foi concebida a pedra e o óleo, o vento e o sangue, nunca a escolha”.

“Então me diga, o que você quer em troca?”

“Desejo ser reforjada. Leve-me para o melhor dos seus artesões e me faça novamente. Quero ser eu, e apenas ser. Só então lhe contarei a história dos heróis invisíveis”.


O Encontro

Procurei por outras pistas por mais alguns minutos, enquanto a minha tocha ainda continha a luz adequada e bruxuleante para ler os nomes dos túmulos. Poucos elfos, poucos anões e muitos humanos.

Todos com descrições breves, mas notórias sobre como eram e o que tinham feito. De certa forma, essa descrição era a confirmação do porquê deles estarem aqui, enterrados no meio de tantos outros heróis. Como um passe para um clube seleto de pessoas do bem.

Alguns tiveram como atitude o “desferiu seu último golpe em Vecna, expulsando-a da terra”, outro “trouxe seu amado das mãos de Baalzebul, no sétimo inferno” e tantas outras atribuições míticas e absurdas. Enfrentar as divindades pelo bem da humanidade e atravessar o inferno como prova de amor eram eventos extraordinários.

Voltei a Glather:

“Aceito a sua proposta, com uma condição” — propus.

“Você pede ajuda e eu que tenho de aceitar os seus termos?!”

Suas respostas sempre estavam afiadas.

“Antes de a levar comigo, quero saber mais sobre a batalha que Turian e você tiveram contra um dragão”.

Olhei novamente para o túmulo e dei mais atenção ao nome da fera: Azharul.

“Isso aconteceu há muitos anos, no tempo em que eu ainda não era capaz de falar. Quando Turian era o senhor das estrelas. Quando os dragões decidiram tomar o poder do mundo”.

Sentei-me sobre os joelhos e fitei o cabo da espada. Parecia ser possível a ver tomando fôlego.

Atrás do vidro que a protegia do mundo aqui de fora, era como se ela estivesse sendo contida de tudo que mais gostava. E agora, aproveitava cada palavra para o seu mundo não acabar.

“Depois da guerra em que os humanos, anões e elfos quase se mataram, os dragões queriam escravizar todos os seres vivos e governar o mundo. Azharul era a mãe dos dragões, inimiga mortal de Tiamat. Mas algo deu de errado entre os lagartos e eles brigaram. Uma cisão entre os seres mais opressores se transformou em um confronto aterrorizante, onde as três grandes raças se uniram e lutaram contra os dragões e encerraram a primeira era. Mas um último dragão ainda ficou resiliente e soberano. Azharul era implacável. Suas asas cobriam o sol e noite tomava a terra. Seu sopro derretia as pedras das montanhas e criava vulcões. Até que Turian viu uma abertura na sua armadura de escamas. Ele correu contra a mãe dos dragões e eu fiz o meu papel. Perfurei sua carne e cortei seu ego. E em meio a queda do céu, Turian só tinha ao meu punho para se segurar. Ele só tinha a mim. E eu só tinha piedade dele. Aterrissamos com brutalidade e o tremor da queda de Azharul fez os dragões recuarem.”


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